Elis Regina vem aí, Porto Alegre
Sentei lá no mezanino do teatro do shopping Leblon. De longe, ouvia bem o palco. Era final do ano de 2013 e o musical tributo a Elis Regina já dava o que falar. Bonequinho aplaudindo de pé na página do O Globo. A atriz Laila Garin nem havia ganhado o prêmio Shell ainda.
Preparando-me para um réveillon em Copacabana, estava na platéia pro que der e vier. Confesso que achei o início do espetáculo meio frio. Mas, ouvindo a poucas léguas distante, nem imaginava que aquela voz era de uma baiana ruiva. Já valia o ingresso.
Até que veio a performance de “Arrastão”, música com que a cantora gaúcha despontou nacionalmente. Um dos momentos emblemáticos da música brasileira. Ficou no imaginário de quem assistiu ao vivo na TV Excelsior em 1965, e também de quem viu os replays incessantes ao longo dos anos. Aquela baixinha girando os braços como quem iria levantar vôo, numa interpretação de tirar o fôlego.
E não é que a coisa esquentou? Fui pego de surpresa, tomado por uma emoção impossível de conter. Sabia que não havia voltado no tempo, mas não enxergava pistas que sinalizassem a data real daquele momento. Inacreditável. Se um dia imaginei aquela performance lendo livros de história da MPB, ou se vi a gravação do festival numa cópia ruim disponível no YouTube, nada foi tão real como presenciar este espetáculo tributo.
Não estou exagerando. Talvez o assento mal localizado no grande teatro tenha colaborado para a ilusão. Todavia, o que senti foi impagável. Possivelmente não vá experimentar de novo. A verdade é que nunca poderia esperar viver tamanha catarse “com” uma artista que morreu há 30 anos. O mais perto havia sido dentro de um mini circo montado na Usina do Gasômetro, componente de uma mostra biográfica. Mas se tratava de um vídeo projetado com som potente. Apelação para os fãs mais sensíveis, que nunca deixaria de ser um flash back, uma revisitação.
Em outubro, o musical chega a Porto Alegre, cidade natal da cantora. Além de Laila Garin, o elenco de “Elis, A Musical” é danado, e diz um texto fabuloso, entremeando as canções. Histórias do Beco das Garrafas, do disco com Tom Jobim, de amores e desamores, são evocadas no palco com esmero e reverência. Entre os diálogos mais divertidos e emocionantes estão os que envolvem os personagens Henfil e Paulo Francis. Imitações dignas e de zelosa carga dramática. A controversa participação em evento dos militares, após apelidá-los de gorilas, também está contemplada.
Só pela performance de “Arrastão” e do hino da anistia “O Bêbado e O Equilibrista”, já valeria a pena. Mas vai que pegam no teu ponto fraco também.
...
Não poderia finalizar este post sem mencionar a pesquisa que o Arthur de Faria tem feito sobre a música no Rio Grande do Sul, publicando artigos sucessivos no portal Sul 21. Em mais de 20 postagens, contou momentos preciosos da biografia de Elis. Destaco abaixo uma passagem, recuperada pelo pesquisador, da última e raivosa entrevista que a cantora concedeu para a televisão em Porto Alegre, no Jornal do Almoço da RBS TV, no final de 1981. Ela respondia pergunta sobre a recorrente reclamação da gauchada de que ela não valorizava sua terra:
Conversa ridícula essa…
(…)
Eu quando saí daqui do pedaço, eu só saí porque eu não tinha mais onde trabalhar. (…) Conjunto de baile tinha acabado, orquestra tinha dançado, a programação da TV Excelsior tinha invadido todos os lugares, a gente não ti-nha o que fa-zer! Assim como eu, uma série de pessoas saíram, outras ficaram e morreram profissionalmente, tão frustradas e desesperadas até hoje, e sonhando com uma carreira que poderia ter sido alguma coisa e que não foi.
Agora, eu basicamente saí de Porto Alegre pra ser cantora, não pra fundar um CTG. Eu nunca disse pra ninguém que eu ia pro Rio de Janeiro fundar um CTG. Saca? Nunca dizendo pras pessoas que eu ia sair fantasiada de prenda pelo Brasil, cantando Prenda Minha, entendeu? Acho legal, acho bonito…
(e é interrompida pela entrevistadora)
Preparando-me para um réveillon em Copacabana, estava na platéia pro que der e vier. Confesso que achei o início do espetáculo meio frio. Mas, ouvindo a poucas léguas distante, nem imaginava que aquela voz era de uma baiana ruiva. Já valia o ingresso.
Até que veio a performance de “Arrastão”, música com que a cantora gaúcha despontou nacionalmente. Um dos momentos emblemáticos da música brasileira. Ficou no imaginário de quem assistiu ao vivo na TV Excelsior em 1965, e também de quem viu os replays incessantes ao longo dos anos. Aquela baixinha girando os braços como quem iria levantar vôo, numa interpretação de tirar o fôlego.
E não é que a coisa esquentou? Fui pego de surpresa, tomado por uma emoção impossível de conter. Sabia que não havia voltado no tempo, mas não enxergava pistas que sinalizassem a data real daquele momento. Inacreditável. Se um dia imaginei aquela performance lendo livros de história da MPB, ou se vi a gravação do festival numa cópia ruim disponível no YouTube, nada foi tão real como presenciar este espetáculo tributo.
Não estou exagerando. Talvez o assento mal localizado no grande teatro tenha colaborado para a ilusão. Todavia, o que senti foi impagável. Possivelmente não vá experimentar de novo. A verdade é que nunca poderia esperar viver tamanha catarse “com” uma artista que morreu há 30 anos. O mais perto havia sido dentro de um mini circo montado na Usina do Gasômetro, componente de uma mostra biográfica. Mas se tratava de um vídeo projetado com som potente. Apelação para os fãs mais sensíveis, que nunca deixaria de ser um flash back, uma revisitação.
Foto Divulgação |
Em outubro, o musical chega a Porto Alegre, cidade natal da cantora. Além de Laila Garin, o elenco de “Elis, A Musical” é danado, e diz um texto fabuloso, entremeando as canções. Histórias do Beco das Garrafas, do disco com Tom Jobim, de amores e desamores, são evocadas no palco com esmero e reverência. Entre os diálogos mais divertidos e emocionantes estão os que envolvem os personagens Henfil e Paulo Francis. Imitações dignas e de zelosa carga dramática. A controversa participação em evento dos militares, após apelidá-los de gorilas, também está contemplada.
Só pela performance de “Arrastão” e do hino da anistia “O Bêbado e O Equilibrista”, já valeria a pena. Mas vai que pegam no teu ponto fraco também.
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Não poderia finalizar este post sem mencionar a pesquisa que o Arthur de Faria tem feito sobre a música no Rio Grande do Sul, publicando artigos sucessivos no portal Sul 21. Em mais de 20 postagens, contou momentos preciosos da biografia de Elis. Destaco abaixo uma passagem, recuperada pelo pesquisador, da última e raivosa entrevista que a cantora concedeu para a televisão em Porto Alegre, no Jornal do Almoço da RBS TV, no final de 1981. Ela respondia pergunta sobre a recorrente reclamação da gauchada de que ela não valorizava sua terra:
Conversa ridícula essa…
(…)
Eu quando saí daqui do pedaço, eu só saí porque eu não tinha mais onde trabalhar. (…) Conjunto de baile tinha acabado, orquestra tinha dançado, a programação da TV Excelsior tinha invadido todos os lugares, a gente não ti-nha o que fa-zer! Assim como eu, uma série de pessoas saíram, outras ficaram e morreram profissionalmente, tão frustradas e desesperadas até hoje, e sonhando com uma carreira que poderia ter sido alguma coisa e que não foi.
Agora, eu basicamente saí de Porto Alegre pra ser cantora, não pra fundar um CTG. Eu nunca disse pra ninguém que eu ia pro Rio de Janeiro fundar um CTG. Saca? Nunca dizendo pras pessoas que eu ia sair fantasiada de prenda pelo Brasil, cantando Prenda Minha, entendeu? Acho legal, acho bonito…
(e é interrompida pela entrevistadora)
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