Reconhecendo nosso contemporâneo Radamés Gnattali

Paulinho Fagundes
O projeto Unimúsica da Ufrgs começou 2014 de casa cheia num show que poderia ter sido nostálgico, não fosse novidade pra boa parte da platéia a música apresentada. Oriundo principalmente das décadas de 50 e 60, o repertório do gaúcho Radamés Gnattali foi interpretado nesta quinta-feira por um quinteto escolhido a dedo. Portanto não eram as peças freqüentadas pelo meio erudito, mas as que pendem mais pro lado do gênero popular.

Olinda Allessandrini
Se o compositor não estava vivo pra ver, nós que assistimos pudemos nos divertir com sua presença mal-humorada e espirituosa, evocada nas histórias contadas no palco. Também foi possível ter contato com seu talento de arranjador, pois as peças foram interpretadas nos arranjos originais. Todos músicos, de óculos para ler as partituras, não escaparam um compasso daquelas folhas.

O quinteto foi inspirado no grupo que Radamés Gnattali manteve por 30 anos, mantendo afinidades com os integrantes primos. Assim, no lugar do lendário Chiquinho do Acordeom, o virtuoso Toninho Ferragutti. Mas grande demonstração de virtuosismo se viu com a disciplinada band-leader, Olinda Allessandrini, executando o piano com precisão erudita e acento popular. Ao lado, outros exímios instrumentistas, como o baterista Oscar Bolão, o contrabaixista Zeca Assumpção e o guitarrista Paulinho Fagundes.

Para o diretor do espetáculo, Arthur de Faria, é impossível definir o gênero musical em que se enquadra Radamés Gnattali. Estava entre o popular e o erudito, formalmente, e na vanguarda, inquietamente. Seu trabalho para quinteto equivaleria ao do argentino Astor Piazzolla. De fato, na última quinta-feira no Salão de Atos da universidade, ouvimos marcha, valsa, samba-canção, baião, rancheira, tudo com notas de diferentes timbres colocadas aqui e acolá, de forma minuciosa, mas com partes de dinâmica acentuada, enchendo de dissonâncias as partituras na vertical. Algo que hoje chamaríamos de contemporâneo, não tivesse sido criado há uns 50 anos.

Toninho Ferragutti
Queria ter conhecido esse Seu Radamés. Se estivesse vivo hoje, eu faria algumas perguntas pra ele. A primeira seria se o compositor imaginava, após anos de revolução tecnológica, tanta gente num auditório pra assistir ao seu repertório estritamente instrumental, sem que este fosse trilha de rádio, cinema ou TV. Sim, porque nos seus tempos de pianista prodígio, foi executor de trilhas de filmes no Cinema Colombo, depois profissional super-requisitado no Rio de Janeiro, passou pela rádio Nacional e até TV Globo.

Meu amigo Tom Jobim

Oscar Bolão
Por ser temático, o Unimúsica deste ano centrou a curadoria na cidade de Porto Alegre, elegendo compositores daqui que tiveram alguma relação com a Ufrgs. Virão ainda, mês a mês, o tradicionalista Barbosa Lessa, o boêmio Lupicínio Rodrigues, o chorão Octávio Dutra, o milongueiro Vitor Ramil, o baladeiro Nei Lisboa e o trepidante Armando Albuquerque. Uns mais reconhecidos que outros, e em diferentes instâncias. Pra começar, foi o amigo-mestre de Tom Jobim, natural do bairro Bom Fim, Radamés Gnattali.

(A propósito, neste sábado no Bom Fim, tinha uma galera se acotovelando em cima de cinco ou seis caixas, catando LPs velhos, numa feira improvisada dentro de um café, bem na rua onde o senhor nasceu. Será que tinha alguma cópia dos teus discos? A cidade quer voltar no tempo?)

Zeca Assumpção
Voltando ao show no Unimúsica, num momento o baterista Oscar Bolão lembrou que o maestro achava Tom Jobim muito americanófilo. E compôs uma música em homenagem ao amigo, com introdução alusiva ao Tio Sam. Naquela época moderna, devia mesmo saltar aos olhos qualquer desvio do nacionalismo. Mas não teria sido a predileção ianque de Tom que acabou dando em Bossa Nova? Não precisava ter pegado tanto no pé do amigo. Bom, aqui vai a última questão: “Seu Rada, o senhor já ouviu falar do Conjunto Bluegrass Porto-Alegrense?”.

Após tantas perguntas, se num exercício de imaginação pudesse prever alguma resposta, ele provavelmente diria algo assim: “Quanta bobagem”. Perdoe a impertinência, Seu Radamés, pois nestes tempos de super-oferta, nossos ouvidos estão recém começando a demandar pelo senhor.


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