Rafa Costa abre a porta e deixa a música entrar


Play. Talheres tilintando, conversas aleatórias, latidos fumaçando, sapateados e golpes de leque no ar. Barra do Ribeiro. Baqueta em bombo leguero, mateando, contrabaixo, charango, guitarras, palmas e violão trigueiro. EP.

Teatro. Bilheteiro saudando, conversas aleatórias, rostos tarimbados acenando, beijos nos íntimos. Capital. Bebericagens na entrada, latinidades, camisetas saindo, batimentos, passos macios chegando. Bis.

Em fluxo, o ambiente reconfigura-se. A música de Rafa Costa, nem no palco, nem nos fonogramas, enclausura-se em um lugar asséptico. Escancara as portas. Com a brisa batendo leve, naturalmente, todos se sentem bem-vindos.

O cara deixou correr o sangue pela veia de cantor e compositor no bojo de um momento coletivo. Visto que o show do último dia 23 no teatro Renascença em Porto Alegre teve a frequência de uma horda de jovens cancionistas. Ecos da atual cena de música autoral, gestada há poucos anos, ora batizada “Escuta o som do compositor”, ora “Autoral Social Clube”. Um bando que não se filia ao rock, nem ao nativismo, nem à MPB. Que proliferou, ocupando bares e espaços culturais, e recentemente passou a gravar discos e produzir shows em salas de espetáculos.

O menestrel da noite agradecia a todo momento muita gente envolvida na produção do EP Trigueiro. As falas em tom íntimo alternavam-se com o canto próximo desta entoação. Nem sempre. Em “Fumaça” e “Bombo e Alfaia”, a performance ao vivo remeteu às inesquecíveis noites de Cordel do Fogo Encantado no Opinião, um referencial para uma geração. Então o canto veio mais de dentro, descolando da coloquialidade e desembocando certa ancestralidade gutural. Ali a interpretação do cancionista transbordava do espaço central para onde as luzes apontavam.

Acesse aqui o site de Rafa Costa.

Demonstrando gratidão, Rafa Costa convidou a camaradagem para pisar naquelas ripas de madeira iluminadas. A cantora Paola Kirst (foto acima), muito aplaudida, participou de um dos pontos altos. Somou sua interpretação de corpo inteiro à canção “Moro em ti”, ainda inédita. Aliás, o repertório da noite foi inteiramente autoral. Além das cinco faixas do EP, mais uma leva que garantiriam um LP, um CD ou até uma lista mais longa de streaming.

Para cada canção, uma parceria. Como uma visita que entra e sai da nossa casa a hora que quer, Pedro Borghetti esteve sempre no costado, e dividiu os vocais em “Aonde nos leva esse mapa”. Já a bailarina e namorada Emily Borghetti, por mais que tenha adentrado em apenas uma canção com seu leque e vestido floridos, deixou marcas no ar e no chão.

As canções de Rafa Costa partem de ritmos claramente localizados no mapa. Tem chamamé. Tem candombe. Entretanto, os arranjos, com as camadas de guitarra de Lorenzo Flach (foto ao lado) e produção de Guilherme Ceron, embaralham as referências no GPS. O produtor, é preciso comentar, tem trabalhado com boa parte dos novos cancionistas do sul. Dentre eles, Ian Ramil, com o qual ganhou o Grammy Latino pelo disco “Derivacivilização”. O fato de haver um profissional da música especializado e proeminente como Ceron, ao lado de inúmeros compositores, é sintoma da ancoragem de uma cena. Assim, o desenho da cidade se reconfigura. A paisagem se mistura com sons que entram e saem pelo porto imaginário.


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