Juntos em show para fãs e detetives


Cada um tem uma trajetória ímpar e consistente, um público cativo e uma energia criativa constante, seja solo ou coletivamente. Nelson Coelho de Castro, Bebeto Alves, Antonio Villeroy e Gelson Oliveira celebraram nos últimos dias 5 e 6 de agosto em Porto Alegre duas décadas desde a primeira vez que montaram o espetáculo intitulado “Juntos”. Enquanto fã de cada um em separado e também do projeto coletivo, vou tentar aqui exercitar duas neutralidades, a científica e a jornalística, para comentar o show que ocorreu no Theatro São Pedro.

1) O primeiro recurso analítico será a comparação com tendências artísticas e mercadológicas de outras searas, começando por uma explicação didática:

No cinema, chamam de filme coral aquele com roteiro de tramas distintas em sequência. Às vezes, ligam-se de alguma forma, por uma personagem, um fio de história em comum, e sempre compõem algo coerente. No caso da música, há as coletâneas de sucessos, as trilhas de novelas, que nem sempre oferecem algum sentido, mas permitem ao público um gancho que leva a outras descobertas. No século passado era comum comprar um LP desses por uma música predileta, ou por um artista conhecido, e se acabava fã de surpresas contidas em outras faixas.

O projeto “Juntos” funciona um pouco assim, na coleção de canções, números e temperamentos. Mas é mais do que isso. A maior riqueza da junção destes cancionistas está nos arranjos a oito mãos e principalmente nas composições conjuntas.

A primeira delas, a que abriu o show de 1997 e teve bis em 2017, “Pedra da Memória”, tem harmonia de vozes em clima de celebração à música. Já em 2002, para o disco de estúdio “Juntos 2”, compuseram “Povoado das Águas”, uma ode a Porto Alegre. Nos últimos anos, com uma agenda fixa no pub Sgt. Peppers, a produção foi profícua. Em “O Borogodó dos Cafundó”, um tom nordestino mambembe apresenta as origens de cada um dos quatro, embora todos tenham nascido no sul do país. No ano seguinte, celebrando o escaldante verão porto-alegrense, a  marchinha de carnaval “O Buraco da Minhoca” diverte às custas de nosso provincianismo.

No início deste ano, apresentaram uma balada bem roqueira, com todos os elementos que supostamente formam um sucesso radiofônico: “Ouro Sol Amarelo Verão”. Em tempos de internet, consegue o efeito de grudar na cabeça e fazer pedirmos bis.

2) O segundo recurso isento será valer-se do jornalismo investigativo, colecionador de números e perseguidor de teorias da conspiração:

A pista é o título da música “Ouro Sol Amarelo Verão”. De cara, notamos que no repertório do show daquele final de semana havia a canção “Ouro” de Antonio Villeroy, do álbum "José" (2010). Se formos ao primeiro disco de Nelson Coelho de Castro, "Juntos" (1981), encontraremos a faixa “Sol” e o detetive ficará em êxtase. Mas essa estava fácil, visto que, depois, as peças começam a não se encaixar perfeitamente.

Consultando a discografia completa de Bebeto Alves, o mais próximo que encontramos de amarelo é a canção “Amarelua”, do disco Notícia Urgente (1983). OK, até dá pra relevar essa licença poética. No entanto, Gelson Oliveira não contribui com nossa teoria jogral. Não há resquício de verão nos títulos de suas composições. Em resposta à apuração jornalística, afirmou:

“Que legal essa ponte entre as obras da gente! Mas não tenho uma "Verão" entre as minhas... Talvez seja, pela minha vivência na serra, e o frio me inspirou mais do que o verão. Meus pais não costumavam ir à praia nas férias, e mesmo no verão, sempre era mais frio em Gramado”.

Talvez seja hora de desistir dessa busca objetiva e considerar a imperfeição quântica da natureza e a falta de lógica na arte. Também podemos seguir contando com a criatividade inesgotável destes artistas e com o calor da capital. Ou seja: ainda há tempo para Gelson compor uma nova música. Nós já sabemos o nome.



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