Anotações de um medroso que perdeu o Dia dos Mortos

Fui ao México, talvez, com um pouco mais de informações que um turista ordinário. Além de assistir ao filme Frida, li uma biografia da mesma, o guia Lonely Planet e mais um compêndio de crônicas de um português perdido no distrito federal. O tema de casa instigou-me a pensar na cultura daquele país sob o viés de um dos sentimentos que nos caracterizam como humanos, e os mexicanos como mexicanos. O medo.

Desde o Brasil, imaginamos um lugar exótico, de natureza exuberante, repleto de índios urbanos, tequila e ai ai ai. Ao tentar aprofundar nosso conhecimento, lembramos de tráfico de drogas e coiotes abatidos na fronteira. E minhas exíguas fontes majoraram a reflexão sobre o provável medo que este lugar desperta, numa antítese entre atração e repulsa.

Vacilei em aceitar gelatina desta guria em Coyoacán
As crônicas de Gonçalo Tavares no livro Canções Mexicanas apavoram. Morte, crime, despudor. O viajante português embrenha-se na capital mexicana e fica suscetível a prazeres e perigos. Tudo que teme o turista trivial, para quem não há deleite que justifique o risco. Portanto, este livro foi um genial antiguia, regalado por minha companheira de viagem, minha namorada Lívia Guilhermano.

Não estive tão à deriva como o escritor, mas é impossível esconder-se. Seja negociando um mergulho em Cozumel, sem curso prévio e impelido a confiar no último marujo desdentado de um barco náufrago. Seja no metrô do DF lotado, em que fui impedido de acessar ao vagão especial (e seguro) só para mulheres.

Thriller policial
Vale contar aqui um episódio que determinou a vitória sobre a ansiedade e meu quê medroso. Em Isla Mujeres, eu e Lívia pedalávamos em bicicletas enferrujadas, alugadas em uma tienda que também vendia marijuana. Chegando a uma prainha, fomos ultrapassados bruscamente por estilosos carrões mal-cuidados, cantando pneus. Saltaram logo à frente para dar um flagrante. Quatro ou cinco à paisana gritavam e apontavam suas armas para um grupo que se separou. Metade levantou as mãos para o alto e outra saiu correndo cemitério adentro.

Seguimos pela estradinha sem olhar pra trás e o coração não disparou mais que a freqüência das pedaladas, ainda a mesma do passeio. Parecia uma cena de filme caribenho. Mas nós não sentávamos em alguma poltrona distante, seguros que a adrenalina acabaria dali alguns minutos, nos créditos.

Nem cheguei a pensar no dia, ainda sob efeito da surpresa, que se tivesse abordado um táxi e comprado ingresso para um clube daqueles que transformam a praia pública em shopping, talvez tivesse evitado a situação. E talvez não estaria escrevendo este texto agora, nem refletindo sobre o medo e o México.

Sem me alongar na diferenciação entre o turista e o viajante, posso afirmar que nossas buscas em solo mexicano estiveram mais pras do segundo. De que importaria imigrar se quando voltássemos ainda tivéssemos o mesmo medo do desconhecido? Podemos dizer que vivemos o Caribe! Comemos pimenta e tomamos suco de água da torneira, sem medo de algum revertério intestinal. Nossa chegada à América do Norte ocorreu na temporada de furacões, duas semanas após Acapulco ser devastada.

Sorte à parte, foi uma viagem de intenso prazer gastronômico e nenhum dia de chuva. Pagamos o risco e estamos de volta pra contar. Hoje é Dia dos Mortos. Perderemos a festa lá. Abro o jornal em casa e leio sobre o assassinato de um estrangeiro na rua de trás de onde moro, e não temo morar.

No Museu Nacional de Antropologia lembramos nossa condição humana e mortal

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