Identidade (by Cabocla Kaingang)
Especialmente depois dos rituais de cauim que ainda pratico nesse caos urbano, produzo meus textos, fragmentos, diários, reflexões, catarses, crônicas de impressões e dilemas existenciais. Quero mais luz no estado mental da república das carretas. A ressaca, ao contrário do prostamento produzido nos demais mortais, me impinge às letras, à produção de textos advindos da inércia das noitadas.
Cabocla, meu nome. Adotado, por mestiça. Kaingang, meu tronco bugreiro.
Resulto dessa cruza ora braba, ora patética, ora luminosa e transcendental da mestiçagem. Trans-cendência e caos. Venho do ventre da pajelança. Da grande cabaça do tempo, mergulhada por cruzamentos indí-genas, misturas européias, involu-cramentos de povos africanos e asi-áticos. Sou o Brasil particular universalizado. Lendo os antro-pólogos – e na convivência da parentalha - percebi que estou fecundada pelas contradições multiculturais, multiraciais, da soma de tudo, sou outra coisa que se encontra no ser brasileira. Um ser que se construiu como identidade singular.
Transito por um estado mental, acuso emoções acumuladas pelo tempo e transito pelo território da América meridional. Meu pai talvez seja o oco do mundo!
Invariavelmente, as minhas partes entram em conflitos. O lado italiano tem dificuldade de compreender o indígena. O trabalho se entrevera com o ócio. Pacifico-me no trabalho pelo ócio. O francês encontra o prazer no trabalho, enquanto o italiano fica espraguejando, enquanto labuta, com o caboclo na rede. Quando me dou conta que estou fazendo economia, interrogo por algum ancestral judeu? Quando andarilha, árabe? Quando entro em retiro, viro bicho da natureza, estou me deixando levar por forças autóctones ou polacas? O prazer pelo frio, pelo vinho e pelos fermentados e destilados, pelas canoas e pelos cavalos, heranças americanas, européias, africanas, russas ou siberianas?
A escassez e a abundância convivem em mim simultâneas e alternadamente. Subversiva, me apossei da bebida do pajé. Minhas manhãs são de chimarreadas com seu caamini. Meus alimentos indígenas sustentam minha comida caseira. Legumes, hortaliças, espetadas e paneladas de carne. Feijões, abóboras, tomates, mandioca, batatas. Essa necessidade de ser da terra, me coloca em confusões.
Certo dia, uma peruazinha, colega de uma amiga, sentou na minha mesa no Boka. Toda moderninha, se julgando uma européia, de umbiguinho de fora, sapatinho biquinho de reveillon, enquanto falava com desprezo da empregada mestiça, comia batata frita. A coitadinha nem deve saber que batata é comida de índio. Sem contar o brinco e a tatuagem da exibidinha. Queria ver ela fazer tatuagem na cara, como minha bisavó. Deveria ter umas aulas de cultura brasileira. Pelo jeitinho da enxerida, o negócio dela não deve ser estudar, e sim culinária. Pelo papo, depois da batatinha, deve ter saído para uma balada atrás do Aipim... Verdade, Aipim é o apelido do cara!
Falando em comida, no bom sentido, certo dia fui numa galeteria e o cardápio tinha uma seção “Comida Italiana”. Grande parte era indígena, inclusive a polenta, que não é italiana, e sim dos pioneiros assentados nas colônias do Rio Grande, que a adaptaram a partir do pirão dos caboclos e kaingangs, substituindo a farinha de mandioca pela de milho (outro produto indígena). Mas os coitados querem ser italianos...! Já sugeri pro Edu do Boka botar uma seção “Comida Indígena” no cardápio. Como virei urbana, é o mínimo que devo fazer enquanto a parentalha briga pela defesa e demarcação das terras ancestrais.
Cabocla, meu nome. Adotado, por mestiça. Kaingang, meu tronco bugreiro.
Resulto dessa cruza ora braba, ora patética, ora luminosa e transcendental da mestiçagem. Trans-cendência e caos. Venho do ventre da pajelança. Da grande cabaça do tempo, mergulhada por cruzamentos indí-genas, misturas européias, involu-cramentos de povos africanos e asi-áticos. Sou o Brasil particular universalizado. Lendo os antro-pólogos – e na convivência da parentalha - percebi que estou fecundada pelas contradições multiculturais, multiraciais, da soma de tudo, sou outra coisa que se encontra no ser brasileira. Um ser que se construiu como identidade singular.
Transito por um estado mental, acuso emoções acumuladas pelo tempo e transito pelo território da América meridional. Meu pai talvez seja o oco do mundo!
Invariavelmente, as minhas partes entram em conflitos. O lado italiano tem dificuldade de compreender o indígena. O trabalho se entrevera com o ócio. Pacifico-me no trabalho pelo ócio. O francês encontra o prazer no trabalho, enquanto o italiano fica espraguejando, enquanto labuta, com o caboclo na rede. Quando me dou conta que estou fazendo economia, interrogo por algum ancestral judeu? Quando andarilha, árabe? Quando entro em retiro, viro bicho da natureza, estou me deixando levar por forças autóctones ou polacas? O prazer pelo frio, pelo vinho e pelos fermentados e destilados, pelas canoas e pelos cavalos, heranças americanas, européias, africanas, russas ou siberianas?
A escassez e a abundância convivem em mim simultâneas e alternadamente. Subversiva, me apossei da bebida do pajé. Minhas manhãs são de chimarreadas com seu caamini. Meus alimentos indígenas sustentam minha comida caseira. Legumes, hortaliças, espetadas e paneladas de carne. Feijões, abóboras, tomates, mandioca, batatas. Essa necessidade de ser da terra, me coloca em confusões.
Certo dia, uma peruazinha, colega de uma amiga, sentou na minha mesa no Boka. Toda moderninha, se julgando uma européia, de umbiguinho de fora, sapatinho biquinho de reveillon, enquanto falava com desprezo da empregada mestiça, comia batata frita. A coitadinha nem deve saber que batata é comida de índio. Sem contar o brinco e a tatuagem da exibidinha. Queria ver ela fazer tatuagem na cara, como minha bisavó. Deveria ter umas aulas de cultura brasileira. Pelo jeitinho da enxerida, o negócio dela não deve ser estudar, e sim culinária. Pelo papo, depois da batatinha, deve ter saído para uma balada atrás do Aipim... Verdade, Aipim é o apelido do cara!
Falando em comida, no bom sentido, certo dia fui numa galeteria e o cardápio tinha uma seção “Comida Italiana”. Grande parte era indígena, inclusive a polenta, que não é italiana, e sim dos pioneiros assentados nas colônias do Rio Grande, que a adaptaram a partir do pirão dos caboclos e kaingangs, substituindo a farinha de mandioca pela de milho (outro produto indígena). Mas os coitados querem ser italianos...! Já sugeri pro Edu do Boka botar uma seção “Comida Indígena” no cardápio. Como virei urbana, é o mínimo que devo fazer enquanto a parentalha briga pela defesa e demarcação das terras ancestrais.
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