Pablo Grinjot em tom maior


Paralelo ao circuito espetacular do tango portenho, Buenos Aires possui uma série de bares, cafés e pequenos centros culturais disputados a cotovelos por gente local e turistas informados e bem-dispostos. Habitam este meio instrumentistas, cantores e compositores com formação clássica, jazzística e folclórica. Nesta cena, muitas vezes a performance é acústica, a plenos pulmões e a depender das caixas de ressonância nos ambientes. É neste tipo de lugar que vive o músico Pablo Grinjot.

O argentino é multi-instrumentista, possui formação erudita, mas dedica sua vida à canção. Em seu oitavo disco como cantautor, “Majestad, el cielo azul”, anota nas partituras um pouco menos de informações verticais sobre os instrumentos, e os deixa fluir em arranjos mais pop.

O álbum inicia em buena onda com “Temporal”, embalada com sopros (a composição já havia sido gravada por seu coautor, o brasileiro Richard Serraria em 2012). A seguir, em “Balada del caballo cansado”, os arranjos de cordas bem característicos de sua obra estão presentes. O amigo uruguaio Daniel Drexler também comparece com sua voz suave. Já a pegada folclórica figura em “Nubes”, com participação dos chamameceros Los Nuñez, com violões, percussão e um acordeon daqueles que colorem as histórias mais cândidas e pastoris.

Leia entrevistas com o artista sobre esse disco:
La obra es un parte de supervivencia - Moochila
Pablo Grinjot: «Hay decisiones que pueden tomarse colectivamente y hay decisiones de artista que nadie más que uno mismo puede tomar» - No Son Horas

A assinatura de Pablo Grinjot está evidente em “Sol sombrilla”, com piano e cordas, bem ao estilo que costuma tocar ao vivo em Buenos Aires, com grupo de câmara acústico, sem microfonação. Os arranjos são de Juan "Pollo" Raffo. A voz companheira nesta faixa é da cantora Paula Maffia.

O clima acústico persiste em "Soneto", desta vez remetendo aos bares de tango nos bairros da capital portenha, como os de Almagro. Diferente dos espetáculos turísticos, com shows tipo Broadway, neles há pequenas cantinas com palcos minúsculos, zero amplificação e sensibilidade exponencial. Para o dueto vocal, Grinjot convida Cristóbal Repetto.

O tom maior volta no sambinha alto astral “Seda y algodón”, com flauta e pandeiro. Pablo Grinjot domina a composição de canção, indo além dos arranjos corriqueiros e callejeros. Por isso, o apuro melódico e harmônico que traz ao ritmo brasileiro lembra os mestres da MPB.

Pablo Grinjot já havia mostrado em sua discografia, desde 2002, que é um compositor de canções profundas, de letras sensíveis. Muitos climas românticos, soturnos, introspectivos. Desta vez, manteve o investimento vertical poético, harmônico e melódico, em uma ambiência mais solar, aberta, maior.

Assim, mantém sua característica de investimento na canção, no lapidar dos versos e da melodia, para que ocorra um encontro próximo da perfeição. O curioso é que isso se dá ao revés de todas as probabilidades, devido à formação erudita de Grinjot. Os caminhos que o levaram a passar por todas as possibilidades estéticas e de gênero, desde Mozart até Astor Piazzola, e desaguar seus anseios na expressão maior da canção, constituindo-se um cantautor, é algo que pertence aos mistérios da música. O inconcebível, o inexplicável, o incomensurável: ingredientes da maior grandeza no rol da criação.




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