Kevin Johansen – deixa rolar, amor, América (let it go, baby)
1/2 argentino, 1/2 yankee, o cancionista lançou um álbum para unir as torcidas |
Mal presta atenção, mas vai no embalo familiar. “todo gira en armonía a su alrededor”. Beirando o rio, não para no semáforo, ignora a percussão latina da segunda faixa e segue sem prestar atenção nas letras (incluso até um rap). No entanto, quando uma canção country de violões, slide guitar, iniciada em versos em inglês, de repente, verte-se para o espanhol: ops! - angústia. Mas a reta é tranquila, sem trânsito de automóveis por perto, o que faz a guria deslizar bairro abaixo, sem as mãos ao guidon. Seguindo pra próxima faixa, uma salsa impõe-se nos fones de ouvido, preenchendo a paisagem que agora é de uma avenida comercial. Confusão. Para e desmonta da bici, meio que se sentindo traída pelo verso: “no entendo nada, soy turista”.
Pero, parada na esquina para encontrar as amigas, o fone servindo de colar, após subitamente ter descoberto as orelhas, escuta baixinho uma balada vinda da madrugada. “Oh, yes!” - familiaridade. Curiosa, repousa de volta o artefato sobre a cabeça e refaz o figurino completo. Faixa seguinte, número 6 (ou seria intervalo comercial? Ela não tem a versão paga do player), um locutor fala em maledicência, em tom professoral. Desmembra o termo: mala decência. E conclui: “la decência és mala”. No meio daquela batida latina volta o tio do comercial. Seria interferência? Mas não era rádio... e não havia trocado a playlist. Nem trocaria.
Clique aqui para ler as letras das canções do disco. |
Agora quase íntima do álbum Mis Américas Vol.1/2, daquele cancionista meio argentino, meio yankee, o mais novo parceiro de pedal, buscou ler no espelho negro uma breve resenha:
Kevin Johansen pode ser enquadrado na turma de cancionistas platinos que contemporaneamente abriram diálogo franco, atravessando a tríplice fronteira no hemisfério sul. Destes, talvez ele seja o que menos se leva a sério. Sua veia pop configura suas canções tanto quanto a raiz folclórica ou a veia crítica e irônica. Parece que nunca teve receio de confundir gêneros. Na mesma atitude, amplia o repertório criativo para o hemisfério norte. Sintetiza a América toda, sem torcer contra nenhuma parte.
Deitou a bike para o piquenique com as meninas e comentou sobre o álbum recém descoberto. A de batom preto indagou se podia sentir algo diferente ouvindo Kevin que não sentiria ouvindo Leonard Cohen ou David Bowie. Não são baladas pop? Só porque têm versos em espanhol? A de uniforme colegial teorizou que não adianta uma mensagem subliminar ou sutil de reconhecimento do diferente, se a música afinal é pop, mainstream, assoviável, e não representa no total um contato com o desconhecido. Então a de t-shirt GG propôs bombardear os fones de ouvido da outra com mariachis. Todas caíram na gargalhada. No entanto, já recuperada do riso, a de meia-calça colorida advertiu que seria preciso e eficiente uma porta de entrada para se habituar com a diferença.
Leia aqui a versão desta resenha no Medium.
Na sequência, o narrador observaria que não teria sido apenas uma questão de suerte, de uma tarde de sol. Pois se repararmos bem na cena, entre pedais, cabelo rosa e maquiagem, a garota exibia no pescoço um pingente. Havia sido um presente, proporcionado por todos os dólares economizados por outrem. O mapa asteca já adornava o peito da ciclista desde que se apaixonara no início do ano letivo. Não de forma telepática. Talvez um pouco randômica. Afinal, todas assistiam às aulas vestindo saia, camisa e meias brancas compridas. Mas uma delas gastou toda grana do trabalho de férias com aquele mimo que fazia referência à origem de sua família e à sua paixão.
*o ministério Guimarães Rosa adverte: pedalar usando fones de ouvido é perigoso.
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