Por que gaúcho canta gritando?
Já se compôs música para contrapor a tendência histérica da música gauchesca nos festivais. Silvio Genro acionou a veia crítica e criou a letra de “Milonguita pra se cantar sem gritar”. Os versos ganharam melodia de Duca Duarte e Pirisca Grecco, que se pôs a cantá-la “bem baixinho” na 36ª Califórnia da Canção de Uruguaiana. Mas hoje, ao contrário de saudar o contraponto, quero trocar uns palpites sobre composições que trataram de justificar a gritaria.
O que me inspirou foi ouvir ontem o programa “Cantos do Sul da Terra”, na FM Cultura. O comunicador Demétrio Xavier tem a habilidade não só de nos inspirar a cantar, bailar, curtir um som. Coloca-nos a pensar. E o tema era “por que grito?”, com a audição de uma música e um poema. A primeira, de Gildo de Freitas, representando o gaúcho brasileiro. O segundo, em nome dos gaúchos argentinos, de Horácio Guarany.
Volta e meia nos comparamos ao país vizinho, ao tratar das coisas gauchescas. É natural. Afinal, lá nos tempos de indefinições fronteiriças, o gaúcho vivia na grande região do Prata, quase uma coisa só. Depois, com a delimitação de linhas fixas entre espanhóis e portugueses, fomos criando separadamente nossas interpretações sobre nossos cowboys. Após séculos de recriações e obras artísticas sobre o mesmo assunto, que diferença ficou entre argentinos e brasileiros? Nota-se que ambos, gauchos e gaúchos, gritam. Mas pelas mesmas razões?
Na música “Definição do grito”, Gildo de Freitas justifica que o gaúcho é gritão porque “são tradições do estado, pra quem foi acostumado a gritar com a criação”, com o gado. Mas ressalva que “o gaúcho da cidade tem o falar moderado”. Para o compositor, o fato de ele ter se criado na campanha, tropeando, confere-lhe razões para gravar seus discos gritando. Importante ainda notar um verso em que descreve as lidas campeiras: “obedecendo o patrão e pondo a tropa na estrada”.
Não irei comentar a música de Gildo de Freitas, sem antes descrever o poema de seu par Horácio Guarany. Em “¿Por qué grito?”, o argentino justifica que traz o grito daqueles que não puderam gritar. Guarany não teme, porque: “es el mismo grito que en el Chaco gritó mi abuelo y no lo escuchó nadie”. Para os que acham que o cantor deve apenas falar de amor ou de paisagens, responde que sente a dor e a fome dos homens como se fossem suas. “Vengo a gritar aquello que otros callan, de amor y besos abundan los cantores”.
Assim, temos razões bem diferentes para a gritaria na música de inspiração gauchesca. Por mais que ambos tenham uma conotação hereditária, suas justificativas chegam a ser antagônicas. Enquanto Horácio Guarany clama por justiça, igualdade e fraternidade; Gildo de Freitas conserva os costumes, pois valoriza a obediência. O brasileiro não almeja outra condição diferente da de peão. Já o argentino quer honrar o avô, usando a arte para transformar a realidade social e superar a condição fatídica das gerações anteriores.
Não vou concluir mais nada. Parti da bela ideia do Demétrio Xavier, que colocou lado-a-lado estas canções para escutarmos. Observei e levantei algumas questões. Agora fica a cargo do prezado leitor. Só acrescento o seguinte: por alteridade, conhecemos mais a nós mesmos.
O que me inspirou foi ouvir ontem o programa “Cantos do Sul da Terra”, na FM Cultura. O comunicador Demétrio Xavier tem a habilidade não só de nos inspirar a cantar, bailar, curtir um som. Coloca-nos a pensar. E o tema era “por que grito?”, com a audição de uma música e um poema. A primeira, de Gildo de Freitas, representando o gaúcho brasileiro. O segundo, em nome dos gaúchos argentinos, de Horácio Guarany.
Volta e meia nos comparamos ao país vizinho, ao tratar das coisas gauchescas. É natural. Afinal, lá nos tempos de indefinições fronteiriças, o gaúcho vivia na grande região do Prata, quase uma coisa só. Depois, com a delimitação de linhas fixas entre espanhóis e portugueses, fomos criando separadamente nossas interpretações sobre nossos cowboys. Após séculos de recriações e obras artísticas sobre o mesmo assunto, que diferença ficou entre argentinos e brasileiros? Nota-se que ambos, gauchos e gaúchos, gritam. Mas pelas mesmas razões?
Na música “Definição do grito”, Gildo de Freitas justifica que o gaúcho é gritão porque “são tradições do estado, pra quem foi acostumado a gritar com a criação”, com o gado. Mas ressalva que “o gaúcho da cidade tem o falar moderado”. Para o compositor, o fato de ele ter se criado na campanha, tropeando, confere-lhe razões para gravar seus discos gritando. Importante ainda notar um verso em que descreve as lidas campeiras: “obedecendo o patrão e pondo a tropa na estrada”.
Não irei comentar a música de Gildo de Freitas, sem antes descrever o poema de seu par Horácio Guarany. Em “¿Por qué grito?”, o argentino justifica que traz o grito daqueles que não puderam gritar. Guarany não teme, porque: “es el mismo grito que en el Chaco gritó mi abuelo y no lo escuchó nadie”. Para os que acham que o cantor deve apenas falar de amor ou de paisagens, responde que sente a dor e a fome dos homens como se fossem suas. “Vengo a gritar aquello que otros callan, de amor y besos abundan los cantores”.
Não vou concluir mais nada. Parti da bela ideia do Demétrio Xavier, que colocou lado-a-lado estas canções para escutarmos. Observei e levantei algumas questões. Agora fica a cargo do prezado leitor. Só acrescento o seguinte: por alteridade, conhecemos mais a nós mesmos.
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