Bebeto Alves representa
Foto que fiz do Bebeto Alves em 2012 no show MPG 30 Anos |
Esqueci por algum tempo da música do Arthur e do Galera quando entrei, molhado, em uma salinha lotada. Mas o intenso deleite individual desejado na letra estava ali. Foi com este gozo, que só somos capazes de lograr ensimesmados, que assisti ao documentário “Mais uma canção”, dirigido por Rene Goya Filho e Alexandre Derlam.
Milonga oriental
O filme sintetiza uma geração, e vai além. Ao mesmo tempo em que conta parte da agitação cultural dos anos 70 e 80 no Teatro de Arena, joga luz na atual busca do compositor biografado pelas raízes e potencialidades de evolução da milonga.
Bebeto Alves esteve entre os pioneiros na hibridização da milonga sul-rio-grandense. Artista inquieto, antropofágico, surpreende a cada disco. Desde o coletivo Paralelo 30 (1978) até o ainda não lançado oficialmente, Milonga Orientao. Nunca está no mesmo lugar, mas sempre está ligado a Uruguaiana. Foi ao Rio de Janeiro e voltou diversas vezes. Continua contribuindo para que a música gaúcha siga em movimento, ligada à contemporaneidade e à vanguarda.
Cena do filme Mais Uma Canção (Divulgação) |
Pude ouvir parte de seu novo álbum na última sexta-feira na FM Cultura, provavelmente a única rádio com a qual o compositor não brigou. Como forma de reconhecimento pelo espaço concedido na programação da emissora, levou Milonga Oriental pra tocar em primeira mão no programa Conversa de Botequim.
Durante a audição pública, Bebeto comentou que a participação do Humberto Gessinger, compositor ligado ao pop e ao rock, amarra algumas pontas soltas na música gaúcha. Fiquei pensando que o alemão, ao contrário dele, alçou o estrelato nacional com a banda Engenheiros do Hawaii. Se formos compará-los desta forma, um com banda pop e outro “de mano”, podemos atribuir às fórmulas da indústria cultural a culpa pela inclusão apenas do primeiro. Mas quando vemos, no filme, os dois lado a lado cantando, tocando, compondo e falando juntos, percebemos o quanto têm de semelhança. E passamos a não entender mais nada sobre o sucesso. Afinal, no fundo, sem holofotes, são dois cantautores. Cada um, único, inquieto e criativo.
Individualidade
E é refletindo sobre a individualidade que quero arrematar este post. No bate-papo após o filme na quarta-feira, Bebeto respondia a uma questão colocada por Claudio Levitan. O tema eram as gerações, comparando os jovens dos anos 70, que ambos foram, aos de hoje:
“Essa nova coletividade vem contra a singularidade, contra nós, contra a criatividade, contra o coletivo inteligente, capaz de gerar questões” (transcrição quase literal, anotada num guardanapo por este blogueiro)
Pois é, Bebeto. Tua observação é pertinente à auto-crítica da galera. A coletividade anônima pode ser perigosa, concordo. Tua trajetória nos inspira. Não a segui-lo. Mas a querermos ser independentes, fiéis a princípios íntimos, ousados, realizadores, corajosos. Indivíduos.
A sensação de sair do filme sob a chuva não foi literal, tal a canção do Arthur. A precipitação ficou no passado, antes do documentário. No futuro, estaremos inundados dele, como um bando.
Quanto tempo você tem para esperar sem garantia?
E se curvar a deuses tontos, enlouquecidos pela época?
Quanto tempo você tem já bastaria para inverter e se somar a qualquer grito,
A qualquer palavra que explodisse forte no horizonte
Quanto tempo você quer? Muito teria para se crer
Que muitos amigos estão no mesmo ponto e nas embarcações
Quanto tempo que se diz cansado todos os dias, que acabamos na escuridão?
E quanto mais, tudo seria sonhar com a cantoria
De milhões de bocas por tantas milhas de terras
E enquanto se fizesse luta se saberia:
Somos um bando e muitos outros.”
(De um bando, Bebeto Alves, 1981)
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Bebeto Alves, devorai-vos
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