3 lançamentos para conhecer a música popular uruguaia, com a letra D
Daniel Drexler (acima), Diego Kuropa (esquerda) e Dany López (direita) lançaram novos álbuns em 2015 |
Talvez pelo fato de não rivalizarem culturalmente com o Brasil, como fizeram historicamente os argentinos, a MPB acabou sendo uma nítida influência para os uruguaios. Ou teria sido simplesmente por identificação, considerando que o país foi território português e brasileiro no passado? Neste trio sobre o qual estou escrevendo, fosse analisar só a música, de forma fria e fora de contexto, diria apenas que são pop. Mas nenhuma destas classificações de gênero explicam bem a cena contemporânea do país vizinho. O investimento na canção é um traço importante. No entanto, sem o peso da tradição que boa parte dos brasileiros carregam nas costas quando vão compor algo nesta seara, repleta de harmonias e ritmos complexos. E aqui não há juízo de valor estético.
Passemos a falar então dos três trabalhos, que se unem pela suavidade no cantar, pelas boas letras e a leveza de arranjos simples e modernos. Novas expressões da música popular uruguaia!
Daniel Drexler - Tres Tiempos
Daniel lançou seu quarto álbum em formato livro, com DVD das músicas gravadas em estúdio e senha para download do áudio. Não chega a ser uma novidade este tipo de lançamento fonográfico, mas também não se tornou nada comum ainda no mundo, muito menos no Uruguai (considerando que sua estratégia de mercado extrapola a terra natal e vise inclusive o Brasil). O capricho gráfico e sonoro condiz com o estilo do irmão mais novo de Jorge, pois trata com esmero detalhista seu processo criativo e sua carreira.
Em Tres Tiempos, Drexler revisita parte do repertório dos discos anteriores. Destaque para o embalo formidável da despretensiosa Lo que siempre fue, e do arranjo empolgante de Descolgados. Também preste atenção no compasso ímpar e acelerado de Dinero, enquanto repensa a vida, e na mansidão irresistível da canção de ninar adultos Cruz del Sur. Claro que não faltam referências folclóricas, como na chamamecera Rinconcito, e nos aires de zamba de Digo. Sobre estes ritmos cabe perguntar: teria o uruguaio flertado mais com os hermanos argentinos? Sabemos que mais tradicional em seu país são o candombe e a murga. E vamos afirmar que o tango seria algo compartilhado (sem querer entrar na briga eterna entre os vizinhos). Para compreender a questão, vamos ao livro.
No texto que acompanha a mídia audiovisual, Daniel revela bastidores de três momentos da carreira e reflete sobre a vida, a cultura e a música. Aliás, um ponto forte em sua obra reside nas letras sobre o cotidiano. O livro contém ainda o artigo Templadismo, em que descreve sua teoria sobre a atual música da região do Prata, que inclui argentinos, como Kevin Johansen, e brasileiros do sul, como Vitor Ramil. O termo não pretende definir um movimento estético, mas reúne características determinadas pelo clima e pela paisagem que um grupo de cancionistas compartilham e expressam de forma semelhante. Daí o uso de chamamés, tangos e principalmente milongas como língua comum.
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Dany López - Polk
Depois do muito bem produzido Acuario (2008) e do bem-vindo intercâmbio musical do disco Canciones Cruzadas (2012), ao lado do porto-alegrense Marcelo Delacroix, Dany López mantém a boa mão para canções assoviáveis. Polk (2015) foi lançado na internet. Por enquanto, houve pouca repercussão no Rio Grande do Sul, lugar onde o músico tem frequentado os palcos e estúdios. Mas não é tarde para celebrarmos um trabalho que dialoga diretamente conosco.
Além de compositor, Dany López é tecladista, arranjador e produtor requisitado em Montevidéu. Participou do disco de Daniel Drexler, já comentado aqui, e atuou ao lado de boa parte dos nomes da música popular uruguaia.
Polk integra esta cena contemporânea de Montevidéu com todos os ingredientes: canção, folclore, pop, rock. O jeito de cantar dele também é contido e próximo da fala como no standard da MPB. A palavra título é uma aglutinação de pop e folk. Vamos perceber os dois elementos ora muito juntos nas músicas do disco, ora mais distantes. Se não for ouvir faixa a faixa, comece pela balada Radar, e vá para Milonga del viento, com uma voz conhecida dos gaúchos, a do pelotense Vitor Ramil. Dá pra ter uma boa ideia da face eclética do trabalho.
Além de Ramil, Dany chamou para participar das gravações, o maranhense Zeca Baleiro, a espanhola Queyi e a argentina Mariana Baraj. Neste ano, haverá o lançamento da segunda etapa de Polk, desta vez um livro com impressões de artistas de diferentes países, como o porto-alegrense Cláudio Levitan e a uruguaia Ana Prada.
Diego Kuropa - Herencia
Kuropa está no terceiro álbum da carreira, o primeiro assinado solo. Em 2007, debutou com Y que dirán. Na capa, o nome Kuropa & Cia expressava uma formação ligada à ideia de banda, mas acústica. As faixas vinham com roupagem de violões de aço, baixo, bateria e percussões. No entanto, o destaque já era o conjunto letra e melodia.
No ano seguinte, gravou disco ao vivo ao lado do compositor veterano Rubén Olivera. A ênfase recaiu totalmente na canção, registrando-se performances de banquinho e violão.
O novo CD Herencia não se diferencia muito em estilo dos trabalhos anteriores, baseados na veia cancionista do uruguaio. Talvez agora os arranjos estejam indicando algo mais contemporâneo. A guitarra de Federico Mujica é a estrela. Mas com proposta minimalista e dinâmicas contidas, a voz clara e suave de Diego continua sempre acima dos instrumentos. O álbum tem coesão, ouve-se do início ao fim, sem decepções. Ainda assim, podemos destacar a roqueira primeira faixa, Dejá de ser un niño, a bela letra de Tengo, o arranjo com timbres e efeitos de guitarra bem colocados de La luz, e a que mais dá vontade de pedir num show pra cantar junto e pular: Soneto kistch a una mengana.
Kuropa não investe abertamente na intersecção estética com o Brasil, tal seus compatriotas citados fazem. Mas podemos captar na dicção do seu cantar e em outras sutilezas um investimento na canção que é diferente dos argentinos, por exemplo, que acabam tratando-a como balada de rock. A canção que os uruguaios criam hoje é pop, mas com um quê de Brasil. Só por esta familiaridade, o risco de gostar já é grande.
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