Carlos Careqa, o mais lindo da MPB, reza missa no Unimúsica

“Pega na mão do companheiro, só Jesus.com tem poder”
(foto: Leonardo Kluck)
Da série “Irreverentes” do projeto Unimúsica 2015, promovido pela Ufrgs, arriscaria a proclamar Carlos Careqa como o convidado que mais encarna tal adjetivo em sua arte (vamos ver se a tese se sustenta até o final desta resenha). No palco da reitoria na última quinta-feira, o catarinense, e único residente em São Paulo que ama o Rio Grande do Sul, divertiu a plateia do início ao fim do show.

Já de entrada, ao perceber que o microfone não funcionava, esbravejou: “quem foi o FDP? Deve ter sido o Arthur de Faria, que não gosta de mim e fica p... quando eu venho tocar na cidade dele! Gauchada #@$%*!”. Mostrava assim nos primeiros minutos a que vinha. E seguiu com ironia, escracho, escatologia, paródia e muita diversão.

No repertório, versões para canções do esquisitão norte-americano Tom Waits e as mais ácidas e sem censura de seus discos. Entre elas, “Garota de Guarulhos”, que traduzindo pro gauchês, Careqa rebatizou de “Garota de Viamão”.

Sua performance parodiava um animador de auditório e outros oradores similares. Num momento evocou a plateia: “pega na mão do companheiro, só Jesus.com tem poder”. Dizia que iria fundar uma igreja: “Tudo Porsche naquilo que te fortalece”. E da crítica política e religiosa ia para a quebra escatológica de tabus sociais. Da crônica sobre o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o compositor passou para um assunto muito caro para si. Cantou o hit “Não dê pipoca ao turista”, que começa com o verso “eu gosto de Cu... ritiba” (o resto da letra vamos deixar pro leitor imaginar ou buscar no Google). Depois do último acorde, confessou que compôs esta canção em 1986, época em que ouvia muito Kleiton & Kledir. E emendou um verso de “Deu pra ti”, da dupla gaúcha.


Também lembrou durante o show outros amigos sulinos, Hique Gomes e Nico Nicolaiewsky. Primeiro brincou afirmando que quase não assistiu na vida ao musical Tangos & Tragédias: “eles é que copiaram meu show”. Depois, cantou uma música-homenagem a Nico, morto no ano passado, no único momento sério do espetáculo (se não foi o único, o outro foi quando elogiou a produção do Unimúsica e afirmou que toda universidade no Brasil deveria ter um projeto desses).

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Pra não deixar de falar de música mesmo: a banda formada por Paulo Braga (piano), Mario Manga (violoncelo e guitarra), Marcio Nigro (guitarra e violão) e Claudio Tchernev (bateria) interpretou arranjos que estavam a serviço da mensagem do crooner zombeteiro. Empenharam-se com eficiência e criatividade para produzir o que muitas vezes lembrava trilha de comédia, dos tempos do cinema mudo. O trabalho conjunto dava uma ideia da outra face de Carlos Careqa, mais densa musicalmente e ligada ao pop alternativo, como no disco “Made in China” de 2013, da ótima faixa “O que que cê tem na cabeça”.

Seguindo com os discursos e tiradas, o artista reclamou: “Eu não queria estar na série Irreverentes, queria estar na Lindos da MPB”. E propôs uma nova dança, em contraponto com o “Copérnico” de Tangos & Tragédias, a do períneo “cuniano” (não vou tentar aqui reproduzir com palavras o que se sucedeu). Ainda sobre a região anal, Careqa passou a ler algumas passagens do que seria sua pesquisa sobre o peido. Convocou algum cineasta na plateia para gravar com ele um TED sobre o assunto. E num dos momentos áureos do show, cantou um rap acompanhado do guitarrista Mario Manga fazendo um beatbox original, que incluía tanto a batida característica quanto a sonoplastia dos flatos.

rap do peido (foto: Leonardo Kluck)
No meio do espetáculo, duas pessoas levantaram na plateia e estavam indo embora quando o músico viu e foi andando atrás delas: “espera, o show vai melhorar, também tem música boa”. Na sequência interpretou “Meleca” do disco “Palavrão: música infantil para adultos” (2013).

Pra concluir, depois de tanta intensidade, seria bom rever a adjetivação para Carlos Careqa. “Irreverente” passou a ser um eufemismo, diante de tanto escárnio. Garantiu uma das noites mais divertidas do ano em Porto Alegre, neste ambiente carregado de flatulências, tanto no sentido fisiológico quanto no figurado (da jactância).

*resenha publicada originalmente no site Nonada - Jornalismo Travessia.

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