Jards Macalé, seu canalha e seu João

*resenha do show de 2 de julho, no Unimúsica, em Porto Alegre. Publicada no site Nonada.
É São João. Seu Jards Macalé apareceu no palco do Salão de Atos da Ufrgs de cachecol enrolado no pescoço, óculos de armação vermelha e cabelos brancos encaracolados. Jogou bombinhas aos pés dos jovens integrantes de sua banda. Iniciou com a música que batiza o grupo, Let's Play That, gravada em 1972. De saída, uma performance contida joão-gilbertiana de voz e violão, logo alternada com convenções rock-jazz da banda, que despertavam no compositor sobressaltos mais agressivos, em que passou a rasgar os acordes e cantar quase grunhindo.

Para quem não conhecia o carioca, um baque de cara. A seguir, Revendo Amigos, mais um arranjo para confirmar a veia psicodélica, talvez uma das razões para ter sido tachado de maldito na MPB. Depois, Dona de Castelo, parceria com outro da mesma turma estigmatizada, Wally Salomão. Desta vez cantou acompanhado apenas de piano e trompete, em clima cool jazz. Para acentuar o tom melancólico intimista, fumou em cena.

O show também teve um momento só de voz e violão. Sozinho no palco, Macalé começou com o samba Falam de mim, de Noel Rosa. A seguir, combinou com a plateia uma participação. Quis que todos vaiassem ao final de Gotham City, música que apresentou em 1969 no Festival Internacional da Canção abaixo de vaia. O troçado lembrou que a letra era uma paródia da ditadura, e que ele e os músicos subiram ao palco com roupas extravagantes, empunhando guitarra para executar um arranjo cacofônico. Então citou a frase de Nelson Rodrigues de que “só a vaia consagra”. O resultado após esta provocação acabou sendo a manifestação mais intensa da plateia na noite, à qual retribuiu levantando o dedo médio e parafraseando Caetano Veloso: “Vocês não estão entendendo nada. Esta é a juventude que quer tomar o poder?” (referência ao discurso do baiano em 1968 em reação às vaias para sua interpretação de É proibido proibir). Pra encerrar o assunto, Macalé advertiu ao público: “Vocês tão brincando? Três anos depois, eu fui em cana”.

Na última do set solo, não esperou os pedidos da plateia e tascou Vapor Barato, seu maior sucesso comercial. Teve coro, claro. Com a banda de volta ao palco, Mal Secreto, seguida do reggae Negra Melodia, e de Soluços, do disco Só Morto, Burning Night de 1970.

Na sequência, uma canção que poderá se repetir nesta edição do Unimúsica. Farrapo Humano é composição de Jards Macalé, mas também integra o repertório de Luiz Melodia, atração do próximo dia 3 de setembro. O público demonstrou familiaridade com seus versos: “Eu choro tanto/ Me escondo e não digo/ Viro um farrapo, tento suicídio/ Com caco de telha, com caco de vidro/ E da melhor maneira possível”. Músicas como essa ajudam a entender os argumentos do compositor para não se enquadrar no Tropicalismo. Esteticamente, costuma lembrar em entrevistas que era bem menos alto-astral que a turma toda. (saiba mais no teste abaixo).

Já se encaminhando para o final do show, o clima esquentou na interpretação de Canalha de Walter Franco. “É uma dor canalha que te dilacera/ É um grito que se espalha/ Também pudera/ Não tarda nem falha/ Apenas te espera/ Num campo de batalha”. Macalé cantou de pé e levantou junto o público, numa reação catártica que talvez se explique pelos acontecimentos da noite anterior no Congresso Nacional. Alguém gritou no meio do auditório: “Eduardo Cunha canalha!”.

A última da noite seria Mambo da Cantareira, não fosse a volta para o bis. Assim, o show encerrou com Nelson Cavaquinho, Juízo Final. “O sol... há de brilhar mais uma vez”. Jards Macalé otimista? Na dúvida, um banho com cravo, alecrim e manjericão, pra garantir proteção e felicidade. É São João.

Teste

Saiba mais sobre Jards Macalé, e sobre você mesmo como fã, respondendo ao teste abaixo.

Jards Macalé foi (é) tropicalista?
Marque as afirmativas abaixo com verdadeiro ou falso:

( ) Jards Macalé integrou o elenco do espetáculo Opinião, em 1965, ao lado de Maria Bethânia.
( ) Produziu o disco Transa de Caetano Veloso, gravado em Londres.
( ) Brigou com Caetano Veloso.
( ) Produziu o álbum Legal de Gal Costa, em 1970.
( ) Sua casa no Rio de Janeiro era uma espécie de QG da turma tropicalista.
( ) Compôs com Torquato Neto e Capinam.
( ) Teve música em festival arranjada por Rogério Duprat.

Agora saiba que tipo de fã da MPB você é:

. Daqueles que nunca ouviram um disco dos anos 60.
Se você marcou todas as alternativas falsas, provavelmente tem menos de 30 anos, e não é muito fã de MPB.

. Daqueles fãs normais.
Se você marcou algumas verdadeiras e outras falsas você é uma pessoa normal. Tentou acertar honestamente, mas não sabia tudo sem consultar o Google.

. Daqueles perigosos.
Se o leitor marcou todas as alternativas como verdadeiras, sinto informá-lo sobre sua inclinação a rotular os artistas dentro de movimentos ou escolas. Pois bem, independente da liberdade criativa e da originalidade, o carioca participou sim de todas estas peripécias citadas acima. Inclusive quebrou os pratos. Então, convenhamos que, ao menos historicamente, é tentador enquadrá-lo nesta caixinha. Tá desculpado. Mas se cuide com sua índole tirânica.

Trilha

Escute o disco tributo aos 70 anos de Jards Macalé, E volto pra curtir, com versões da baiana Marcia Castro, do porto-alegrense Filipe Catto e da banda Apanhador Só, entre outros. Clique aqui.

Programação

Acesse a agenda do Unimúsica (série Irreverentes) para os próximos meses, com Wander Wildner, Luiz Melodia, Carlos Careqa e Tom Zé. Clique aqui. 

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