Canciones cruzadas em tempos fragmentados
As diferenças. Bah, as diferenças rendem tanto. Fazem guerra. Porém, o mundo não funciona sempre em lógica binária. Bem contra o mal. Estrangeiro oposto a nativo. Maragatos peleiam chimangos. Não. Creio sim que neste tempo fragmentado, onde parece ser necessário vestir lenço e bombacha para significar gaúcho, os desvios semiológicos é que rendem o novo, o realmente diferente.
As similitudes. Tchê, conforta-me espelhar minha milonga aquém. Saber que no carnaval tem marchinha de um lado e murga de outro. Passemos o mate adiante, então. Nesta estrada da super-informação, havia voado alto e perdido a referência. Mas agora, “nuestro norte es el sur”. #bamotodos
O cruzamento. Ó, cultura híbrida. Movei-nos ao encontro da vizinhança. Sem invejar suas gramas, derrubemos muros. E que a cozinha seja compartida. Ergamos uma fronteira de pontes livremente transitáveis.
É. O show do último domingo no Teatro do SESC em Porto Alegre foi inspirador. O uruguaio Dany López e o brasileiro Marcelo Delacroix propuseram o encontro entre gaúchos. Mas neste caso, o gaúcho não remete imediatamente, como em uma propaganda de refrigerantes, ao estereótipo. Aponta na direção contemporânea de ser e estar na região do Prata, conectado a tudo, e escolher o vizinho para compartilhar e criar o novo.
Não preciso aqui transcorrer demasiadamente sobre semelhanças entre gauchos uruguaios e brasileiros. Milonga, chimarrão, clima subtropical, capitais portuárias, etc. Vale descrever o contraste proporcionado à primeira vista apreciando lado-a-lado Dany López e Marcelo Delacroix. Um franzino, de voz aguda e gestos ligeiros. Ligado ao pop e às ambiências sonoras. Outro gigante, enche a sala cantando e se move com gravidade. Afluente da MPB e do regionalismo.
Ouvindo seus discos solos, ninguém, além deles próprios, teria a ideia de intercambiar canções e fazer versões. De longe, são díspares o melhor disco do Rio Grande do Sul (Prêmio Açorianos), Depois do Raio (2006), e Acuario (2008), distribuído pela Universal Music Argentina. Mas estes artistas se empenharam em buscar elos e construir pontes. E foram bem sucedidos na empreitada.
O disco em parceria, Canciones Cruzadas (2013), é coeso. Vai trançando disparidades e reinventando composições. Às vezes só a interpretação vocal de Marcelo Delacroix já leva uma canção de Dany López para outro universo estético. Noutras, só o novo arranjo do uruguaio já ressignifica os versos sul-rio-grandenses.
O álbum é resultado de comunicação em mesa de bar e via internet. Sua gravação também é tributária de uma turnê pelo Uruguai, testando o repertório. Tal experiência rendeu maturidade na hibridação, que ficou clara no show em canções como Perdido por Perdido e Gente Buena. Ambas cresceram no palco e constituíram o clímax.
Um detalhe: ao final do espetáculo, os músicos não saíram de cena para esperar o pedido de bis. Tinham pressa, pois o último ônibus partiria para Montevidéu logo em seguida. Deu uma sensação de que a metrópole hermana fica logo ali. É só chegar na rodoviária em tempo, e experimentar o intercâmbio que vem e vai.
Gerardo Alonso, Lucas Kinoshita, Dany López, Marcelo Delacroix, Eduardo Maurys e Giovanni Berti. |
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