Não foi só uma festa de aniversário
Era um grande acontecimento. Daqueles em que a expectativa gerada quase se transforma em medo. Mas a energia acumulada tomou conta e se responsabilizou pelo sucesso. Eram 25 anos de carreira e duas homenagens a parceiros queridos que deixaram saudades. Não tinha como dar errado.
Era um repertório consistente. Difícil escolher qual vinha antes, qual tocavam depois. Canções que venceram público e/ou júri de festivais, Rio Grande do Sul afora, e nos ajudaram a pensar o que somos e pra onde vamos desde aqui.
As cortinas se abriram e três jovens músicos assumiram seus instrumentos, iniciando uma batida despretensiosa. Baixo, acordeão e bateria, num riff loopado que lembrava um sampler de algum novo grupo, conhecido por colocar batida eletrônica no tango. Com tal trilha, adentraram o palco os cinco artistas tão aguardados daquele 29 de setembro. Beto, Cachoeira, Texo, Vinícius e Pijama. Assim, tão intimamente, adicionaram suas vozes à introdução, engrandecendo de sentido o que já começava a parecer uma milonga. Agruparam um estado inteiro nuns primeiros versos, escritos por um dos parceiros já idos, o Jacaré: “nos arames que foi peão pendurado, deixem os olhos fixados”.
Não se tratava de uma provocação, mas de uma convocação à província inteira, incluem-se “a plebe, os esculachados que perambulam sem trégua por toda gleba”. A música gravada em 1989 no primeiro disco do grupo, após nascer no palco de um festival e causar algum estranhamento, ganhava vida nova para além dos anos dois mil. Pois os movimentos sociais podem até ter perdido o protagonismo do meio rural para as cidades, mas a letra seguiu pedindo “Deixem seus olhos fixos”.
Não é preciso muita adaptação estética para que versos escritos há mais de 20 anos ganhem novos sentidos. Bastam músicos de diferentes gerações coabitando o palco de um teatro chamado Renascença, de frente para um público vivido nas mais diferentes condições e anos. O cantor profere: “ingênuos malditos, tratem de restaurar urgentemente um mito”, e faz-se mágica.
O show já estava ganho pela simples e brilhante sintonia entre o grupo de 25 anos, Tambo do Bando, e os músicos “estreantes”, Pirisca Grecco (bateria), Duca Duarte (baixo) e Paulo Goulart (acordeão). A lembrança de um velho repertório, que não foi massificado pela indústria cultural – talvez porque na época não se enquadrava num rótulo, transformou-se em mais do que uma festa de aniversário. Significou que a vida segue, que a música continua soando, ao lado do senso crítico.
O senso crítico. As metáforas da vida. Estas tão evocadas pelo artista. O clímax da noite não foi uma música, mas a leitura voz a voz de um trecho do livro “Assim na Terra” de Jacaré, lembrando a interpretação que o outro parceiro querido, Marcos Barreto, fazia. Em cena, a tese: “um lugar é habitado e habitável quando dele se tem saudade, sempre e somente saudade”. O palco incluso desta vez.
Veja o álbum de fotos do show aqui.
Mano
ResponderExcluirAlguma coisa muito especial acontece por Porto Alegre na cena musical.
Nós que acompanhamos criticamente a história de nosso estado, e nossa relação com os meios de comunicação e a indústria fonográfica, sabemos no que este show se diferencia.
Quisera estar aí para deixar meus olhos fixos.
Parabéns pelo texto empolgante!
Deixo aqui minha provocação usual:
E aí Zero Hora, vão publicar o texto do João Vicente?
Inicio aqui a campanha: além da foto, o texto!