Buscando Carlo
De mala e cuia, bandeei-me Mercosul afora, em um autobus lotado de estudantes de arquitetura. O plano era circular por Argentina, Chile, Argentina de novo e Uruguai. Fui com uma pretensão: buscar elementos do sul para recompor meu imaginário. Deixei uma condição: afastar-me da Jornada de Literatura, o grande evento que agendou a descida do historiador Carlo Ginzburg ao sul da América.
Logo de saída, descobri semelhanças e desencontros entre o roteiro de Carlo e o meu. Em 21 e 22 de agosto, estaria o italiano em Buenos Aires. Eu, aportaria apenas no dia 28. Em Passo Fundo, eu chegaria dia 03, quatro dias após a conferência do autor de “O queijo e os vermes”, na Jornada. Não desanimei. Como que trilhando os rastros de Carlo, busquei encontrar-me.
A tira-colo, máquina fotográfica, MP3 player e um livro relido. Minha intenção não era capturar rastros do Mercosul que passavam pelas janelas do ônibus, para avivar a memória sempre que me distraísse em outros fragmentos imagéticos. Queria mais. Queria que as lindas paisagens fossem inesquecíveis. Mas para isso, saí com uma certeza: era preciso vivê-las, não meramente assisti-las.
Se depender de uma infecção intestinal que me forçou a reconhecer outras paisagens que estavam fora do roteiro principal, como clínica médica e baños mil, eu já poderia me dar por satisfeito. Pois havia experimentado o inusitado e sido levado ao extremo do meu corpo. Uma experiência dessas com certeza marca. Mas, o que me motivava naquele passeio não eram os escritos detrás das portas de banheiro, en español. Tampouco correr o risco de usar o jornal Clarín para outras finalidades.
Recuperado, no entanto, sensivelmente transformado, segui buscando algo entre coca-colas e purês. A esta altura da viagem, após Córdoba, Mendoza, Santiago, Viña Del Mar, Puerto Varas e Bariloche, pus-me a remexer nuns restos de percepção lúcida e entendimento do que seria o sul. Repassei as relidas páginas que levava pra conhecer outras cabeceiras, em hotéis com box pequeno e tevê a cabo que oferecia duas opções de entendimento: o áudio em inglês e a legenda em espanhol.
Era inverno. Encontrei um verde menos verde e mais árido que nos livros. Era frio. Vi neve tão branca quanto em desenho animado. Visitei prédios tão europeus quanto é óbvio eles estarem ali. Paguei tanto quanto não poderia aceitar por uma garrafa d’água chilena. Fui parar no mercado público de Montevidéu e degustar pela segunda vez na vida uma parillada completa, por mais que minha condição anterior não legasse saúde, encarei como quem compreende uma travessura e se empolga noutra. Foi um avanço. A partir dali, o Uruguai começou a ficar igual ao lugar de onde eu venho. Ao mesmo tempo bizarro, por suas excentricidades turísticas, e convidativo, pela semelhança humana.
Foi muito mais fácil entender o conceito de Homi Bhabha, do “entre-lugar”, cruzando e voltando entre as fronteiras que demarcam os países do Mercosul. Deparei-me com as coisas que se constroem antes, depois e além dos limites entre nós. Um exemplo são as famílias argentinas que residem em Colônia, no Uruguai, e trabalham em Buenos Aires. Diariamente embarcam no Buquebus e cruzam o Rio da Prata, num ato rotineiro, mas carregado de simbologia.
Não esqueci Carlo. Li uma reportagem no Clarín, sobre seu último livro, que busca distinguir o verdadeiro, o falso e o fictício. Afora o uso que historiadores deverão fazer desta obra, o autor alerta que o cotidiano está lleno de situações em que nos deparamos com estas três variáveis na interpretação da vida. Para mim, viajante bem-acompanhado, porém solitário pensador, formulei uma pergunta para ser refletida durante o percurso restante: “O quanto o sul que conheço é verdadeiro, falso ou fictício?”
Logo de saída, descobri semelhanças e desencontros entre o roteiro de Carlo e o meu. Em 21 e 22 de agosto, estaria o italiano em Buenos Aires. Eu, aportaria apenas no dia 28. Em Passo Fundo, eu chegaria dia 03, quatro dias após a conferência do autor de “O queijo e os vermes”, na Jornada. Não desanimei. Como que trilhando os rastros de Carlo, busquei encontrar-me.
A tira-colo, máquina fotográfica, MP3 player e um livro relido. Minha intenção não era capturar rastros do Mercosul que passavam pelas janelas do ônibus, para avivar a memória sempre que me distraísse em outros fragmentos imagéticos. Queria mais. Queria que as lindas paisagens fossem inesquecíveis. Mas para isso, saí com uma certeza: era preciso vivê-las, não meramente assisti-las.
Se depender de uma infecção intestinal que me forçou a reconhecer outras paisagens que estavam fora do roteiro principal, como clínica médica e baños mil, eu já poderia me dar por satisfeito. Pois havia experimentado o inusitado e sido levado ao extremo do meu corpo. Uma experiência dessas com certeza marca. Mas, o que me motivava naquele passeio não eram os escritos detrás das portas de banheiro, en español. Tampouco correr o risco de usar o jornal Clarín para outras finalidades.
Recuperado, no entanto, sensivelmente transformado, segui buscando algo entre coca-colas e purês. A esta altura da viagem, após Córdoba, Mendoza, Santiago, Viña Del Mar, Puerto Varas e Bariloche, pus-me a remexer nuns restos de percepção lúcida e entendimento do que seria o sul. Repassei as relidas páginas que levava pra conhecer outras cabeceiras, em hotéis com box pequeno e tevê a cabo que oferecia duas opções de entendimento: o áudio em inglês e a legenda em espanhol.
Era inverno. Encontrei um verde menos verde e mais árido que nos livros. Era frio. Vi neve tão branca quanto em desenho animado. Visitei prédios tão europeus quanto é óbvio eles estarem ali. Paguei tanto quanto não poderia aceitar por uma garrafa d’água chilena. Fui parar no mercado público de Montevidéu e degustar pela segunda vez na vida uma parillada completa, por mais que minha condição anterior não legasse saúde, encarei como quem compreende uma travessura e se empolga noutra. Foi um avanço. A partir dali, o Uruguai começou a ficar igual ao lugar de onde eu venho. Ao mesmo tempo bizarro, por suas excentricidades turísticas, e convidativo, pela semelhança humana.
Colônia de Sacramento (Uruguai) |
Foi muito mais fácil entender o conceito de Homi Bhabha, do “entre-lugar”, cruzando e voltando entre as fronteiras que demarcam os países do Mercosul. Deparei-me com as coisas que se constroem antes, depois e além dos limites entre nós. Um exemplo são as famílias argentinas que residem em Colônia, no Uruguai, e trabalham em Buenos Aires. Diariamente embarcam no Buquebus e cruzam o Rio da Prata, num ato rotineiro, mas carregado de simbologia.
Não esqueci Carlo. Li uma reportagem no Clarín, sobre seu último livro, que busca distinguir o verdadeiro, o falso e o fictício. Afora o uso que historiadores deverão fazer desta obra, o autor alerta que o cotidiano está lleno de situações em que nos deparamos com estas três variáveis na interpretação da vida. Para mim, viajante bem-acompanhado, porém solitário pensador, formulei uma pergunta para ser refletida durante o percurso restante: “O quanto o sul que conheço é verdadeiro, falso ou fictício?”
E posso afirmar que me dei por satisfeito. Não encontrei resposta para essa pergunta. Não encontrei Carlo. Mas achei um pouco mais de sul em mim.
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