Diferenças entre gaúcho macho, tchê music e MPG

*artigo publicado originalmente no jornal Cadafalso, em Passo Fundo RS.

No país Rio Grande do Sul existem hoje dois espécimes em franca reprodução. Um é o gauchinho que aprendeu a dedilhar violão ou tocar gaita dentro de um CTG e depois brigou por desavenças estéticas – se é que nesse patamar xucro, trata-se de debate musical em torno de uma pendenga estética... Falo de grupos de jovens (hoje mais velhinhos), os “tchês” da vida, que desde que resolveram pular e rebolar um pouquinho pra tentar ganhar o mesmo público do “É o Tchan”, tem muito nariz torcido e até proibições dentro dos santuários tradicionalistas.

O outro tipo humano é o gauchão machão, que chuta pra fora do CTG guris de brinco, bombachas curtas e toda e qualquer possibilidade de vida criativa. Tal junção de guascas configura um certo barroquismo gaudério, que encanta de tal forma que parece adestramento de cavalo crioulo – que é um dos nobres e intocáveis símbolos do Estado do Rio Grade do Sul.

Enquanto o CTG for lugar de lazer, tem meu apoio. Agora, debater qual ritmo ou postura são autenticamente gaúchos é conversa pra boi dormir! Ainda mais nesse caso pseudo-musical. Mas pra não ficar em cima do palanque, defenderei os “tchês”. Eles ao menos são faceiros! Eu não defenderia a mesma trincheira de quem policia a música, por pior que essa seja. Então, cantem com impostação de Zezé Di Camargo, rebolem como o Daniel e forrem os bolsos. Sejam felizes! Vou eu fazer o quê? Tentar normatizar, tirando seus brincos e alargando bombachas? Isso não faria diferença alguma no som.

Mas existe outro mundo fora dos CTGs e bailes. Há música que não serve só pra chacoalhar as cadeiras, nem achar que está vivendo num passado mítico xucro. Ainda assim, vale-se de raízes rítmicas e fala de “coisas daqui”, sem ranço, nem testa franzida. Pena que muita gente nunca ouviu falar de compositores como Vitor Ramil, Bebeto Alves, Jerônimo Jardim, ou grupos como Almôndegas e Tambo do Bando.

O problema é que a gauchada vive num país (!) chamado Rio Grande Gaúcho. Ao passo que, eu teria que pingar um colírio alucinógeno, como diria o Simão, para esquecer que estou no estado do Rio Grande do Sul, que faz parte do Brasil e tem como vizinhos Argentina e Uruguai, fora o contexto globalizante inevitável.

Onde ninguém contesta a identificação imediata com um modo de ser único, uma tradição inventada postula o status totalizante de ser “A” cultura gaúcha – com letra maiúscula. E não importa o quanto o policiamento ortodoxo afunde o potencial criativo dos artistas – esse sim, seu genuíno e valoroso bem cultural.

Aos interessados, recomendaria humildemente a descoberta de um mundo escondido, um elo perdido entre a doma tradicional e a indústria cultural. Ouçam tudo que encontrarem que possa ser rotulado de MPG! Leia-se “Música Popular Gaúcha”. Há nesse rótulo muito mais elementos, valores e profundidade cultural do que todas as convenções, cartilhas e carimbos “tchê music”. É ainda um prato cheio para se identificar, tal qual fãs de rock – daqueles que cantam acompanhando a letra. Irresistível pra quem está querendo ouvir algo “daqui”.

Pra começar sem grandes baques, sugiro a audição de um dos três discos que o Bebeto Alves gravou com composições de Mauro Moraes – que a maioria conhece apenas na voz melancólica de Luiz Marenco. Em seguida passe para coisas mais vanguardistas do uruguaianense, como seu clássico incompreendido “La Milonga Nova”. Nesse álbum, Bebeto utiliza sua breve experiência de produtor musical, inesgotável criatividade de compositor e malícia de intérprete de longa data, para inventar misturas de ritmo entre a milonga gaúcha e outros brasileiros e importados. O resultado é instigante. Talvez ele não tenha gravado nesse CD suas melhores canções, mas não tenho dúvida de que, do ponto de vista estético, é um clássico do futuro.

Depois vá descobrindo o resto da turma, como Totonho Villeroy, Gelson Oliveira e Nelson Coelho de Castro, com quem Bebeto Alves gravou a impagável série “Juntos”. Passe também pelo “Saracura”. Sem esquecer o antológico LP, marco de uma geração, “Paralelo 30”, idealizado pelo jornalista Juarez Fonseca, que revelou nomes que fariam a história da MPG. Em um estágio “mais avançado”, ouça e leia tudo que o Vitor Ramil já fez. Mas sem fanatismo!

acesse:
www.vitorramil.com.br
www.totonhovilleroy.com.br
www.bebetoalves.com.br
www.neilisboa.com.br

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